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Reabilitação de lesões: entrevista com fisioterapeuta Marco Tulio Saldanha

Reabilitação de lesões é um tema que faz parte do dia a dia de médicos e outros profissionais que lidam com atletas – tanto que o artigo do Instituto HZM sobre as lesões mais comuns no esporte é um dos mais lidos deste blog. O assunto também chamou a atenção do mineiro Marco Tulio Saldanha, primeiro como nadador, na adolescência, depois como estudante de Fisioterapia, quando decidiu viver do outro lado do esporte.

Na vida profissional não foi diferente. Em 20 anos como fisioterapeuta ortopédico e esportivo, Marco Tulio Saldanha atuou na reabilitação de lesões junto a praticantes de variadas modalidades esportivas. Com trabalhos para América-MG, Mackenzie Esporte Clube e Federação Mineira de Judô, entre outras instituições, além de ter sido presidente da Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva (Sonafe), ele, hoje, atende atletas amadores e profissionais, sobretudo do ciclismo, na clínica Dinâmica, em Belo Horizonte, da qual é proprietário.

Um pouco dessa experiência é transmitida aos alunos do módulo Reabilitação de Lesões, da pós-graduação em Medicina do Exercício e do Esporte do Instituto HZM. Na entrevista a seguir, Marco Tulio Saldanha fala não só da disciplina, como também de sua carreira e da relação do fisioterapeuta com o médico do esporte.

 

Qual é a sua vivência com o tema reabilitação de lesões?

Como atleta, eu também fui paciente. Essa foi uma das minhas maiores motivações para seguir a carreira de fisioterapeuta – e, já na faculdade, ter escolhido trabalhar com esporte. No América-MG, fiz estágio e depois tive a oportunidade de atuar como profissional. Trabalhei com equipes de vôlei no Olympico Club, no Mackenzie Esporte Clube – que é um grande formador de atletas nesse esporte, como a Gabi, da Seleção Brasileira feminina – e no Clube dos Oficiais da Polícia Militar. Na época do Mackenzie, eu era professor do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, que era patrocinador do clube. Por isso, coordenei o estágio de alguns alunos que atendiam os atletas do Mackenzie na época. Também trabalhei por dois ou três anos com judô, atendendo os atletas durante as competições, em BH. Ainda atuei com reabilitação de lesões como voluntário na Olimpíada do Rio, em 2016.

Podemos falar que existem lesões mais comuns no esporte, de modo geral, ou há muita diferença em cada modalidade?

Existem os dois cenários. Se formos separar por modalidade, há muita diferença. Há lesões que são típicas de esportes de contato físico, como futebol, rúgbi e basquete. Mas há também aquelas mais associadas à repetição de movimentos, como salto e arremesso. Movimentos repetitivos feitos nas competições e nos treinamentos podem ocasionar, por exemplo, tendinite, fratura por estresse e lesões da corrida. Mas quando juntamos num grande pacote das lesões do esporte em geral, podemos dizer que entorse de tornozelo e lesão muscular estão entre as mais frequentes.

Como a reabilitação de lesões é abordada no Instituto HZM?

Na minha disciplina, procuro falar dessa questão de uma maneira um pouco mais generalista. Tento citar as lesões que podem ser mais comuns em um esporte, mas não necessariamente em outro. Na natação, por exemplo, a entorse de tornozelo não se aplica. Nesse esporte, são mais comuns as lesões por repetição de movimento, principalmente do ombro.

Quando juntamos num grande pacote das lesões do esporte em geral, podemos dizer que entorse de tornozelo e lesão muscular estão entre as mais frequentes.

Você costuma citar algum caso clínico sobre reabilitação de lesões em suas aulas?

Há um caso que eu não presenciei, mas gosto de usar nas aulas, como exemplo. Isso porque ele é bem didático e traz um pouco da realidade do esporte, principalmente de alto rendimento. Trata-se de um vídeo com a transmissão de uma partida de tênis, em que a russa Anna Kurnikova, hoje aposentada, sofre uma entorse no tornozelo durante uma jogada. Logo em seguida, ela é atendida por um profissional em quadra. É um atendimento estranho, porque ela torce o tornozelo, mas primeiro recebe intervenção no braço, depois alonga a outra perna. As pessoas ficam curiosas, querendo saber o que está acontecendo. Eu volto o vídeo e mostro o placar, que indica que a Kurnikova estava perdendo. Então, provavelmente, a partida não foi interrompida por causa da lesão, e sim para ganhar tempo. Isso é da realidade do esporte. Há mais nuances do que aquilo que aparece para o grande público, como a simulação de que o atleta está lesionado ou até mesmo recuperado. O profissional que lida com esporte tem que estar ciente e preparado para vivenciar essas situações.

Como é a relação, num clube ou outra instituição, entre o fisioterapeuta e o médico do esporte?

Essa relação já foi mais tempestuosa ou dissonante. Hoje, existe um respeito e uma equiparação maiores. Alguns colegas de Minas Gerais fizeram um estudo com fisioterapeutas esportivos do Brasil inteiro que trabalham com vôlei e futebol, os esportes de nível mais profissional, hoje, no país. Eles perguntaram se existe interferência no trabalho do fisioterapeuta por outros profissionais. A maioria citou que não, nem do médico, do técnico ou do preparador físico, e que de modo geral há uma boa autonomia para o trabalho. É algo que eu também coloco nas aulas do HZM.

Há mais nuances [no esporte] do que aquilo que aparece para o grande público, como a simulação de que o atleta está lesionado ou até mesmo recuperado. O profissional que lida com esporte tem que estar ciente e preparado para vivenciar essas situações.

Como você vê o trabalho de prevenção de lesões no Brasil? Está bem consolidado ou muitas delas poderiam ser evitadas?

Nesse mesmo estudo, a prevenção de lesões é citada como um dos pilares da Fisioterapia Esportiva. Isso, no esporte profissional, acredito que esteja bem enraizado, apesar de não ser atribuição exclusiva de nenhum profissional. Na verdade, a prevenção tem que estar na cultura da instituição, fazendo parte da preparação física, da parte técnica e até mesmo da gestão. Por exemplo, no Campeonato Brasileiro de futebol, que é muito longo, esse trabalho deve fazer parte da cultura do clube. Fazer um rodízio do elenco, poupar o jogador de uma viagem, deixar um atleta que está sobrecarregado descansar, apesar de o desempenho esportivo dele ainda estar em alta… Tudo isso também é prevenção. Mas essa questão, no esporte profissional, é muito clara. A prevenção acontece, existem estratégicas eficazes e a ciência corrobora. Talvez no esporte amador isso seja um pouco mais limitado, por conta de logística e até de cultura da pessoa, que quer o desempenho, mas não a vida do atleta. A longevidade, certamente, não será a mesma.

Que outras diferenças você aponta entre o atleta amador e o profissional no quesito lesões?

O atleta profissional, apesar de ter uma demanda física muito maior, também tem uma preparação mais adequada para isso – ou, pelo menos, deveria ter. Ele é contratado de uma empresa ou de um clube para que desempenhe o esporte. Então, as condições ambientais, no geral, são mais favoráveis. Já o atleta amador tem outra profissão, não vive daquilo. Às vezes, nem tem o tempo necessário para se dedicar ao esporte. E foi como citei anteriormente: muitas vezes, ele quer ter desempenho de atleta, sem ter vida de atleta. Mas, para ter esse desempenho, é necessário dedicação, abrir mão de alguns confortos e gostos pessoais e fazer sacrifícios aos quais nem todos estão dispostos. Só que tudo isso, para o atleta profissional, é obrigatório.

Fazer um rodízio do elenco, poupar o jogador de uma viagem, deixar um atleta que está sobrecarregado descansar, apesar de o desempenho esportivo dele ainda estar em alta… Tudo isso também é prevenção.

Como você avalia sua experiência na Olimpíada do Rio?

Foi um sonho realizado. É algo que todo mundo que já foi atleta ou que dedica sua carreira ao esporte deseja. Tive a oportunidade de aparecer para o mundo, no atendimento a um atleta australiano que luxou o ombro no lançamento de dardo. Essa imagem chegou para mim de colegas da Austrália. Além disso, você vê toda a estrutura por trás de uma Olimpíada. Para quem é empresário, é legal conhecer os equipamentos que estão sendo usados na nata do esporte mundial.

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