No segundo post da nossa série sobre os conceitos básicos da Medicina Esportiva para o médico em busca das primeiras informações, trazemos um resumo da história da especialidade e de sua evolução ao longo do tempo, não só no Brasil, como também em outros países. Acesse aqui o primeiro artigo, “O que é Medicina Esportiva e o que faz o médico do esporte?”. Na próxima semana, o último texto da série abordará a interação da Medicina Esportiva com outras especialidades médicas e profissões.
As raízes da Medicina Esportiva remontam ao século V a.C. O grego Herodicus é tido como o primeiro a utilizar os efeitos terapêuticos do exercício, enquanto Hipócrates, seu aluno, afirmava que “a alimentação sozinha não irá manter um homem bem; ele também deve exercitar‑se”.
Entretanto, o primeiro documento sobre a influência do exercício no tratamento de doenças, o Papirus Ebers, só foi publicado em 1550 a.C. O texto é de autoria do médico hindu Susrota, que tratava pacientes diabéticos com atividade física e dieta. De acordo com o Dr. Eduardo Henrique De Rose, em artigo sobre a história da Medicina Esportiva, Susrota estimulava os enfermos a praticar luta e andar longos percursos montandos em elefantes.
Já no século XI d.C., o persa Avicena escreveu a enciclopédia O Cânone da Medicina e encorajou avanços na área esportiva, incluindo recuperação de feridas e cura de músculos doloridos com massagem terapêutica. Outros nomes proeminentes incluem os italianos Jeronimus Mercurialis, autor do livro Arte Ginástica, e Santorio Santorio, um dos primeiros pesquisadores do metabolismo humano.
Protagonismo alemão
Em 1855, o médico estadunidense WH Byford publica, no periódico The American Journal of the Medical Sciences, o primeiro artigo sobre Fisiologia do Exercício. E, no ano seguinte, os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em Atenas, na Grécia, aumentam globalmente a participação em esportes e treinamentos.
O final do século XIX parece antecipar os inúmeros acontecimentos que, nos cem anos seguintes, mudariam para sempre a história da Medicina Esportiva, elevando definitivamente seu patamar. Ainda de acordo com Dr. De Rose, considera-se que o ano de 1900 marca, do ponto de vista acadêmico, o início da Medicina do Exercício e do Esporte, com o lançamento do livro A Higiene do Esporte.
“O eco dessa publicação na área médica foi muito grande e como conseqüência surge o I Congresso de Medicina do Esporte, realizado em 1915 na França, em Paris”, relata o médico.
Na segunda década do século XX, a Alemanha assume o protagonismo da história da Medicina Esportiva. Em 1911, o Dr. Arthur Mallwitz abre, em Dresden, o primeiro instituto de pesquisa esportiva do mundo. Um ano depois, a cidade de Oberhof sedia o Primeiro Congresso para a Investigação Científica de Esportes e Exercícios Físicos. Até que em Berlim, em 1913, o termo “médico do esporte” é usado pela primeira vez.
Entidades esportivas americanas
A terceira década também guarda dois acontecimentos capitais: o lançamento, pela Sociedade Francesa de Medicina do Esporte (SFMES, na sigla em francês), da primeira revista científica da área na Europa, em 1922, bem como a criação da Federação Internacional de Medicina do Esporte (Fims, em francês), em 1928.
Alguns anos depois, os Estados Unidos são o berço de importantes entidades esportivas: o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM, em inglês), em 1954; a Sociedade Ortopédica Americana de Medicina do Esporte (AOSSM), em 1972; a Associação Internacional de Ciências do Esporte (ISSA), em 1988; e, por fim, a Sociedade Americana de Medicina do Esporte (AMSSM), em 1991.
Para o Dr. De Rose, a moderna Medicina Esportiva apresenta três ramificações principais:
“A primeira, e a mais antiga, é Federação Internacional de Medicina do Esporte e suas associações nacionais afiliadas. A segunda é a Medicina do Esporte Olímpica, coordenada pela Comissão Médica do COI [Comitê Olímpico Internacional], com suas organizações continentais e nacionais. A terceira é representada pelas Federações Internacionais de Esportes e suas ramificações regionais e nacionais.”
Para este terceiro milênio, o médico acredita que a orientação da Medicina Esportiva será a busca da qualidade de vida como primeira variável relacionada com a atividade física regular, a saúde e o desporto de alto rendimento.
A história da Medicina Esportiva no Brasil
No Brasil, considera-se que a Medicina Esportiva é a primeira especialidade médica reconhecida. Sua história começa no final da década de 1930, com a necessidade de oferecer acompanhamento médico adequado a estudantes que se exercitavam durante as aulas de educação física.
Em 1939, o governo federal promulgou o Decreto‑Lei n.º 1.212, que criava a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), vinculada à então Universidade do Brasil – hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Cabia à instituição ministrar alguns cursos na área esportiva, entre eles o de Medicina da Educação Física e dos Desportos, que habilitava o médico para o exame de alunos de todos os graus de ensino que praticassem atividades físicas e esportivas.
Dois anos depois, em 1941, a Escola Superior de Educação Física do Estado de São Paulo (ESEF‑SP) – atual Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP) – abriu a primeira turma do curso de Medicina Especializada em Educação Física, com 24 médicos. Já no ano seguinte, surgiu a Sociedade de Medicina Aplicada à Educação Física de São Paulo, embrião do que desde 1976 é a Sociedade Paulista de Medicina Desportiva (Spamde).
Com a evolução da entidade, percebeu‑se a necessidade de uma formação mais prolongada e completa para o médico, de modo a lhe proporcionar uma visão mais abrangente do esporte.
Residência médica
Com o passar do tempo, o número de alunos do curso da ESEF‑SP variou, mas a procura só teve aumento significativo a partir da década de 1970. Foi quando o governo federal, na esteira do tricampeonato da seleção brasileira de futebol, passou a investir na promoção da saúde por meio do esporte.
Nessa época, a disciplina passou a se chamar Medicina Desportiva – atualmente, o nome considerado mais completo é Medicina do Exercício e do Esporte. Além disso, o segmento ganhou seu primeiro congresso brasileiro, em Porto Alegre (RS).
Quase no final da década, veio a primeira publicação. Era o livro Fisiologia Esportiva, lançado em 1978 pelo médico e professor Mário de Carvalho Pini, considerado pai da Medicina Esportiva no Brasil.
Nos anos 2000, outro marco para o segmento foi a criação da residência médica em Medicina Esportiva. O movimento para tal começou em 2002, mas os primeiros cursos vieram apenas em 2007.
Atualmente, sete instituições oferecem a residência, que tem três anos de duração: seis em São Paulo e uma em Caxias do Sul (RS).