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Benefícios do ciclismo superam prejuízos da poluição urbana

Na próxima sexta-feira (19), será celebrado o Dia Nacional do Ciclista. A data lembra os benefícios dessa atividade física para a saúde, mas também joga luz sobre as dificuldades enfrentadas pelos praticantes, sobretudo nas grandes cidades. O dia 19 de agosto foi escolhido em homenagem ao ciclista Pedro Davison, morto em 2006, aos 25 anos, por um motorista embriagado, em Brasília (DF).

Além do trânsito, outro desafio para quem gosta de pedalar nos centros urbanos é a poluição. Estudo de 2018 conduzido por Eduardo Rumenig, então doutorando da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP), aponta que, na capital paulista, ciclistas inalam mais poluentes atmosféricos do que pedestres e motoristas – considerados sedentários no deslocamento.

Ainda assim, de maneira geral, as vantagens do uso da bicicleta superam os riscos da exposição à poluição do ar, de acordo com a pesquisa. Uma possível explicação está no fato de a prática de atividade física poder “induzir a adaptações capazes de reduzir os efeitos adversos” das partículas poluidoras.

O estudo, no entanto, também mostra que, em condições bem específicas, o risco relativo de mortalidade é maior para ciclistas do que para motoristas. Esse resultado apareceu nas quatro regiões de São Paulo com as maiores concentrações de poluentes, no inverno e mediante um esforço físico intenso, em que as pessoas pedalaram por muito mais tempo que a média diária de deslocamento do paulistano por bicicleta.

Saúde e qualidade de vida

Assim, a pesquisa conclui que, “considerando as características socioespaciais das viagens”, é “improvável” que os riscos de se expor à poluição do ar sejam maiores que os benefícios de usar o chamado “transporte ativo” – caminhada e pedalada.

“Portanto, adotar a bicicleta e o deslocamento pedestre parece ser a melhor opção, mesmo diante de níveis alarmantes de poluição atmosférica”, orienta Rumenig, reafirmando, mais à frente: “pedalar é imprescindível para promover a saúde e a qualidade de vida na cidade”.

O autor usou dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e da pesquisa “Origem-destino”, do metrô paulistano. Também consultou, entre outras fontes, o estudo internacional “A poluição do ar pode anular os benefícios para a saúde do ciclismo e da caminhada?”, publicado em 2016 no periódico Preventive Medicine.

O trabalho de Rumenig foi lançado em 2019, em forma de artigo, no segundo volume da série de livros “Desafio – Estudos de mobilidade por bicicleta”.

Novo estudo sobre ciclismo e poluição

Agora, um novo experimento paulistano traz novamente à tona o debate sobre ciclismo e poluição urbana. A partir de simulações em local fechado, pesquisadores constataram que a exposição a gases provenientes de partículas poluidoras não alterou o desempenho esportivo e fisiológico de ciclistas voluntários.

Sob a liderança do educador físico André Casanova Silveira, que também pesquisou o tema durante doutorado na EEFE, os testes sugerem que os benefícios de pedalar nas ruas da cidade são capazes de superar os efeitos negativos da má qualidade do ar. Para chegar a essa conclusão, Silveira e colegas instalaram, na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), um container com filtros capazes de impedir a entrada de gases e partículas.

Nesse ambiente, em que até variáveis como temperatura e umidade relativa do ar foram controladas, os pesquisadores analisaram a performance de dez ciclistas. Eles participaram de uma atividade aeróbica de longa duração: uma corrida simulada de 50 km contra o relógio.

Todos os voluntários foram classificados como recreacionalmente treinados, com base em dados obtidos por um teste de consumo máximo de oxigênio (VO2).

Públicos diferentes

Em depoimento ao blog do Instituto HZM, Silveira comenta que o público de sua pesquisa é um diferencial importante em relação ao trabalho de Rumenig.

“[A pesquisa] agrega um novo fator ao problema complexo que é a poluição. O nível de aptidão física dos indivíduos parece influenciar nas respostas durante o exercício em ambiente poluído”, observa.

Outro ponto relevante, de acordo com Silveira, é que a investigação anterior utilizou, para os cálculos, taxas de ventilação compatíveis com o deslocamento urbano de bicicleta. Já na pesquisa que ele liderou, os voluntários participaram de uma competição simulada, ou seja, com taxas ventilatórias superiores, o que poderia, em tese, exacerbar as consequências deletérias dos poluentes na saúde.

“Mas, aparentemente, isso não ocorreu nos ciclistas. Assim, levantamos a hipótese de que, provavelmente, indivíduos treinados e adaptados a treinar em ambiente com baixa qualidade do ar podem possuir alguns mecanismos capazes de sobrepor os efeitos agudos da poluição”, ressalta.

Poluição e desempenho no ciclismo

Em matéria sobre o trabalho de Silveira, o Jornal da USP informa que a pesquisa avaliou a percepção subjetiva de esforço dos voluntários. Essa condição, determinante para o desempenho esportivo, é regulada por fatores fisiológicos – por exemplo, frequência cardíaca, pressão arterial e parâmetros sanguíneos, analisados no estudo – e psicológicos.

Além disso, Silveira e equipe examinaram os principais marcadores inflamatórios – substâncias produzidas por células do sistema imunológico em resposta a algum agressor – e o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, na sigla em inglês). Este último, explica o educador físico ao site, é induzido pelo exercício e está relacionado à melhora cognitiva, de memória e aprendizagem.

“Nossos principais achados no estudo demonstraram que os parâmetros relacionados ao desempenho esportivo, assim como os indicadores fisiológicos e inflamatórios, não foram alterados em pessoas treinadas durante a prática de exercício em ambiente com baixa qualidade de ar. No entanto, o ambiente poluído levou ao aumento de BDNF comparado ao ambiente limpo, o que poderia indicar que os efeitos benéficos do exercício podem ser evidenciados em pessoas treinadas mesmo expostas a uma baixa qualidade do ar”, reforça.

Ainda de acordo com Silveira, os resultados da pesquisa sugerem que a exposição à poluição atmosférica pode não ser um fator limitante à performance de ciclistas que residem e treinam em ambientes com má qualidade do ar. O trabalho foi publicado em junho no periódico American Journal of Physiology.

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