Exercícios de força muscular associados a atividades aeróbicas podem reduzir pelo menos dois tipos de câncer: bexiga e rim. A conclusão é de um estudo inédito realizado por pesquisadores da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e da Faculdade de Medicina da USP, em parceria com a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. O trabalho, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi publicado em junho no periódico British Journal of Cancer.
De acordo com a Agência Fapesp, os pesquisadores usaram dados do Health Professionals Follow-up Study (HPFS), estudo de coorte de Harvard com mais de 30 mil profissionais de saúde. O objetivo foi investigar se a realização de exercícios de força muscular, comumente praticados em academias, estúdios de treinamento funcional e crossfit, está associada com menor risco de câncer.
Os participantes do HPFS foram acompanhados entre 1992 e 2014. Nesse período, responderam a questionários bienais sobre a frequência semanal média de exercício de força muscular ao longo do ano, além de outros fatores de proteção e risco para câncer.
Os autores da pesquisa brasileira concluíram que o exercício de força muscular não esteve associado a menor incidência total de câncer. No entanto, observaram redução de 20% e 23%, respectivamente, no risco de tumores malignos de bexiga e rim para cada hora de aumento de exercício de força muscular semanal.
Também constataram que os participantes que realizaram exercício de força muscular combinado com atividades físicas aeróbicas tiveram maior redução no risco de câncer de rim, em comparação com aqueles que fizeram apenas exercício de força muscular.
“Nossos dados ressaltam a importância da atividade física, aeróbica e de força muscular, na prevenção da doença”, comenta Leandro Fórnias Machado de Rezende, pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e primeiro autor do trabalho, em entrevista ao site OncoNews.
“O treinamento de resistência foi associado a menor risco de câncer de bexiga e rim. Não foram encontradas associações entre a prática de exercícios de força muscular e risco de câncer em tumores de cólon, próstata, pulmão, linfoma, pâncreas, leucemia, mieloma múltiplo e esôfago. Estudos futuros são necessários para confirmar nossos achados”, acrescenta Rezende.
Segundo texto de divulgação da Unifesp, embora os resultados da pesquisa precisem ser confirmados por outros estudos, eles oferecem indícios de que o exercício de força muscular pode ser um aliado na prevenção do câncer.
Prática esportiva também beneficia pacientes oncológicos
A prática esportiva não é importante apenas na prevenção do câncer: também é fundamental para pacientes que enfrentam a doença e após a alta, para evitar recidiva. Em 2019, diretrizes do Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM, na sigla em inglês) orientavam que pacientes oncológicos – em tratamento ou em recuperação – se exercitassem, pelo menos, três vezes por semana.
“Desde 2010, a ACSM recomenda a prática de exercícios físicos para melhorar a capacidade física, reduzir a fadiga e melhorar a qualidade de vida, aumentando a recuperação funcional. Apesar dessas recomendações, a maioria dos pacientes com câncer ou após o câncer não são fisicamente ativos de forma regular”, observa o oncologista Gilberto Amorim, em artigo no site Pebmed.
“A baixa adesão a essa recomendação resultou na criação de novas diretrizes mais proativas (exercício é remédio!). O objetivo é reduzir este déficit no cuidado dos pacientes, aumentar o engajamento dos médicos em avaliar, encaminhar os pacientes, estimular e reforçar que, no geral, fazer exercícios é seguro na maioria dos pacientes oncológicos, mas exige também a quebra de paradigma entre os profissionais de saúde e pacientes sobre este tema antes tratado como um tabu”, complementa.
Ainda de acordo com o médico, mais de 2.500 estudos randomizados sobre exercícios para pacientes oncológicos, publicados entre 2010 e 2018, apontam que atividades aeróbicas, sozinhas ou combinadas com treinos de resistência – os chamados exercícios Fitt: frequência, intensidade, tempo e tipo –, trazem uma série de benefícios a quem enfrenta o câncer. Entre eles, a melhora de sintomas de ansiedade e depressão, da saúde óssea, da função cognitiva, da fadiga, do sono, da tolerância ao tratamento e da atividade sexual.
Além disso, a prática de exercício reduz a dor, as náuseas e o risco de cardiotoxicidade, de quedas e de linfedema.
“Ou seja, traz uma melhora na qualidade de vida em geral”, resume Dr. Amorim, ressaltando que, antes de iniciar os exercícios, esses pacientes devem receber uma avaliação global de saúde, o que inclui uma análise do sistema cardiovascular, da força e da massa musculares, da resistência, da flexibilidade e da composição de gordura.
“E devem receber supervisão específica para as suas necessidades conforme o tipo de câncer, fase do tratamento, limitações para receber uma prescrição de exercícios individualizada. Isso, naturalmente, cria barreiras para os pacientes, mas é importante ressaltar que a grande maioria pode iniciar exercícios aeróbicos de baixa intensidade (caminhada ou bicicleta) sem maiores dificuldades”, pondera.
Pesquisa mostra que exercício inibe crescimento do tumor
Conforme noticiado pelo blog do Instituto HZM em 2019, um estudo interinstitucional aponta que o exercício pode inibir o crescimento tumoral e diminuir a perda de massa muscular.
Na investigação – feita por pesquisadores do Brasil e de Portugal e publicada no periódico Medicine & Science in Sports & Exercise, da ACSM –, ratos foram inoculados com tumores e, posteriormente, submetidos a uma atividade física programada: subir um aparelho de escada com cargas amarradas às caudas. Nesse grupo, a maior vascularização provocada pelo exercício contribuiria para um eventual tratamento oncológico.
“Caso fôssemos tratar os animais com algum fármaco, a ‘entrega’ seria facilitada, ou seja, os medicamentos chegariam em maior concentração e maior chance de matar as células tumorais”, comenta um dos pesquisadores, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Fabricio Voltarelli, em depoimento publicado no UOL.
Nos ratos que fizeram a atividade, também se observou que os tumores tiveram seu crescimento atenuado. Esse resultado foi atribuído aos efeitos benéficos do exercício, como indução de apoptose no tecido tumoral, maior infiltração de células imunes e aumento da espessura da cápsula tumoral.
“Se estivéssemos falando de seres humanos, a redução na taxa de crescimento tumoral facilitaria intervenções do tipo cirurgia, quimioterapia e radioterapia”, avalia Voltarelli.
A pesquisa ainda constatou que os ratos ativos tiveram menor perda de massa muscular, em comparação aos sedentários. Em humanos, lembra o professor, a quantidade de massa muscular tem sido intimamente relacionada com a sobrevida. Pessoas que apresentam sarcopenia antes de uma cirurgia, por exemplo, tendem a ficar mais tempo internadas do que aquelas com massa magra preservada.
O docente também destaca que os benefícios do exercício para o paciente oncológico “transcendem aspectos bioquímicos, moleculares e farmacológicos”, já que a prática impacta positivamente o sistema nervoso central. Com isso, aumentam os níveis da proteína BDNF, que exerce ações neuroprotetoras contra doenças degenerativas.
Assim como o médico Gilberto Amorim, Voltarelli defende o exercício como parte do tratamento oncológico.
“O ponto crucial é que o paciente melhora sua qualidade de vida, uma vez que os efeitos do exercício físico podem, também, combater os indesejáveis efeitos colaterais advindos dos tratamentos convencionais, tais como a hepato e cardiotoxicidade”, afirma.